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terça-feira, 7 de maio de 2013

Afinal, onde estão os guerrilheiros?

Luiz Manfredini *

O deputado estadual amazonense Eron Bezerra, membro do Comitê Central do PCdoB e pela segunda vez secretário da produção Rural do Estado, contava 19 anos em 1972 quando decidiu buscar a guerrilha do Araguaia em Marabá, no Pará. Imaginava a cidade coalhada de guerrilheiros. Esta é uma das histórias, entre mais de uma centena delas, publicadas pelo livro “Vidas, veredas: paixão”, que produzi entre 2011 e 2012 para a Fundação Maurício Grabois.


Tendo como subtítulo “Memórias da saga comunista”, o livro mostra a obstinada luta dos comunistas brasileiros num dos cenários mais dramáticos e complexos da história do nosso país no século 20: a ditadura militar (1964-85), incluindo os anos iniciais da reconstrução democrática.


O que torna o livro verdadeiramente singular é sua abordagem, que dá ênfase ao papel dos indivíduos na grande aventura humana que foi e é a revolução brasileira. No cenário da luta revolucionária, ocupa-se menos da análise política e histórica do que das pessoas, das vivências individuais, dos dramas e tragédias – e também das comédias - de homens e mulheres comuns cuja entrega à luta por liberdade e justiça social as tornou incomuns. Incomuns, é verdade, mas homens e mulheres de carne e osso, não os seres de aço de certo mito constituído na história do movimento comunista.

A seguir, trechos do perfil de Eron Bezerra:

“Nasceu em algum ponto da vastidão amazônica, não sabe bem onde, sequer se foi no Brasil, filho de um aventureiro sem residência fixa que possuiu cerca de oito mulheres, algumas ao mesmo tempo, com as quais teve perto de 50 filhos, espalhados pela Amazônica, em sua maioria sem contato uns com os outros. Foi registrado na localidade de Curupaiti, município de Boca do Acre, aos oito anos de idade, mas aos 16 teve de averbar a certidão de nascimento porque o cartório da original – e seu acervo – já não existia mais. E precisou arregimentar duas testemunhas para provar que ele era mesmo ele. Assim, ingressou tardiamente na estatística nacional. Mas a vida não lhe daria sossego. Nas mais de cinco décadas que se seguiram acumulou percalços nada desprezíveis, vencidos todos: três quedas de avião e 13 de motocicleta, cinco malárias, duas mordidas de cobra e as agruras da luta revolucionária. Não é gratuito, portanto, que se veja retratado num dos versos do hino amazonense:

“Viver é destino dos fortes,
assim nos ensina, lutando, a floresta”.

Eronildo Braga Bezerra, ou simplesmente Eron Bezerra, foi alfabetizado na selva pelo pai, Heremilton Rodrigues Bezerra, um maranhense que migrou para a Amazônia, abandonando um seminário católico porque, segundo o filho, levava muito a sério o mandamento bíblico de “crescei e multiplicai-vos”. Palmilhava a floresta, de barco ou a pé, comprando e vendendo e muitas vezes praticando o regatão, como o escambo é conhecido na região. Mais tarde, comprou um seringal. Mas nunca deixou de comerciar. A mãe, Francisca Braga Bezerra, cearense de uma família que foi cortar seringa durante a Segunda Guerra Mundial, morreu cedo, de modo que Eron, então com um ano de idade, e suas duas irmãs foram criados pela tia, Osana, que se casou com o cunhado, segundo a tradição amazônica”.

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“Em 1972, um ano após ter se mudado para Belém, onde trabalhava como laboratorista na Fundação Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), atual Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Eron soube da guerrilha no sul do estado, recém-descoberta pelo Exército, que então lhe dava combate. Resolveu aderir, pois já naquela época, aos 19 anos, formara a opinião de que os graves problemas do Brasil só poderiam ser resolvidos com a derrubada do governo, ditadura a serviço dos interesses norte-americanos. Enfrentou, por dois dias, a estrada barrenta para Marabá, apinhada de barreiras militares, e as avarias no ônibus e as paradas sucessivas para recolher ou deixar passageiros. Mas a pequena vila, que imaginava coalhada de guerrilheiros, aos quais ofereceria sua pronta adesão, encontrava-se entupida de militares, seus veículos ruidosos e armas assustadoras. Lá permaneceu um dia, e tomou o caminho de volta”.

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“A decepção, porém, não o desarvorou. Passou a considerar-se comunista desde a frustrada viagem em busca da guerrilha. Não apenas comunista, mas militante do PCdoB, o partido da guerrilha”.

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“Em novembro de 1982 casou-se com uma catarinense que havia seis anos mudara-se com a família para Manaus, estudava Farmácia e iniciava fecunda trajetória política que décadas depois a levaria ao Senado da República após memorável campanha que derrotou um ícone da política local: Vanessa Grazziotin”.

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Há bem mais nessa história e nas histórias reveladas por “Vida, veredas: paixão”. Fico por aqui. Afinal, não posso quebrar a curiosidade do futuro leitor.


* Jornalista e escritor em Curitiba, representa no Paraná a Fundação Maurício Grabois e é autor de “As moças de Minas”, “Memória de Neblina”, “Sonhos, utopias e armas” e “Vidas, veredas: paixão”.

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